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«Requiem» pelo Jornal de Notícias - Paz à sua alma (e à democracia!)
- 17-Feb-2009 - 0:04
A morte deste diário português foi decretada, embora o mantenham ligado à máquina durante o tempo que for conveniente
Há, ainda há, embora por pouco tempo, um só jornal de dimensão nacional sedeado fora de Lisboa, o “Jornal de Notícias”, resistente último à razia que o tempo e as opções de gestão fizeram na Imprensa da cidade do Porto. A morte está anunciada perante a rendição do (suposto) Estado de Direito que Portugal deveria ser ao poder económico.
Ver, em baixo, comunicados do Sindicato dos Jornalistas
Todavia, nunca a precariedade dessa sobrevivência foi tão notória como hoje, sendo tempo de todas as forças vivas da sociedade reclamarem contra o definhamento da identidade de uma instituição centenária que sempre as representou, passo primeiro para a efectiva e irreversível extinção.
Desde sempre duramente penalizado pela integração em grupos de Comunicação Social, pois sempre foi impedido de viver à medida das audiências e dos resultados, o “Jornal de Notícias” tende a ser profundamente descaracterizado, ou até mesmo aniquilado, pela remodelação que o Grupo Controlinveste encetou, ao lançar um processo de despedimento colectivo que afectou, para já, cerca de 119 pessoas em quatro dos títulos de que é proprietário.
São cada vez mais nítidos os indícios de que o referido grupo económico está a usar a crise para levar a cabo uma reestruturação, longamente pensada, que, através da criação de sinergias, destruirá a identidade dos dois jornais centenários de que é proprietário: o JN e o “Diário de Notícias”.
Porque ninguém com responsabilidades no que deveria ser o tal Estado de Direito está interessado em travar o processo, os dois jornais, mesmo que mantenham cabeçalhos diferenciados, serão apenas suportes de conteúdos sem alma. Na melhor das hipóteses.
A ideia não é nova e, com a concentração dos media e com alterações legislativas feitas à medida, por medida e sob ecnomenda, está em pleno curso.
É agora prática corrente a figura do “enviado notícias”, jornalista de um dos dois títulos em serviço no estrangeiro, que vê a sua reportagem (ipsis verbis) publicada em ambos, ainda ontem concorrentes, mesmo que integrados no mesmo grupo.
Foi aliás criada, à custa do despedimento de fotojornalistas, uma agência fotográfica cujos membros integrantes trabalharão, indiscriminadamente, para os jornais “Diário de Notícias”, “24Horas” e “O Jogo” (o JN entrará logo depois nesse esquema, a primeira grande machadada nas matrizes identitárias das publicações).
O resto virá oficialmente a seguir, embora já tenha começado. Os jornais do Grupo Controlinveste passarão a ser, não importa se sob uma ou várias marcas, veículos de um pensamento unificado. Pensando apenas em optimização de recursos, descaracterizam-se redacções e nada impedirá, como acabou de suceder no JN com a informação internacional, que secções sejam extintas, uma vez que, nesta visão redutora, um só jornalista chegará para alimentar quantos jornais e páginas da Internet for necessário. A prática que se adivinha está já em curso na informação desportiva, em que JN e “O Jogo” partilham trabalho jornalístico.
Com a solidificação deste assustador processo, foi (já não adiante escrever no futuro) o JN o mais penalizado e, com ele, a cidade do Porto, todo o Norte do país, vastas extensões da região Centro e, por conseguinte, a própria qualidade da democracia portuguesa.
Toda esta estratégia foi (já não adiante escrever no futuro) desenhada à distância, integrando-se nela a recuperação, há menos de um ano, do cargo de director-geral de publicações, entregue ao director do “Diário de Notícias”.
Não importa a qualidade boa ou má dos propósitos, apenas que a estratégia do JN vem sendo traçada por pessoas que desconhecem por completo a história, o papel social, o estilo, os leitores ou os agentes sociais que ao longo de décadas tiveram neste jornal a sua voz.
O JN deixou de ser a montra dos problemas e dos anseios de vastas zonas do país (o fecho e o emagrecimento de filiais são paradigmáticos). Com isso, houve um crescente isolamento de regiões que o centralismo tem colocado cada vez mais na periferia. Com isso, o debate sobre a regionalização foi restrito e controlado pelo espírito centralista. Com isso, questões como o peso do Porto e do Norte no Noroeste Peninsular foram menorizadas.
Problemas como o da gestão do Aeroporto Francisco Sá Carneiro serão menos discutidos. A progressão da rede de metro do Porto será menos reclamada. O poder local será ainda mais invisível. O empreendedorismo será asfixiado. A vida cultural será ainda mais silenciada. O país exterior à capital será cada vez mais paisagem.
Tanto quanto é possível saber, nesta altura o JN deixou de lutar pela própria existência. A sua morte foi decretada, embora o mantenham ligado à máquina durante o tempo que for conveniente.
Paz à sua alma!
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